Ruído

Introdução

Este artigo é uma pequena contribuição para o começo de estudo deste tema extremamente vasto. Não será abordado nenhum item nem em profundidade nem de maneira muito teórica. Como trata-se de um artigo introdutório, os diferentes tipos de ruído serão mostrados de modo prático. Por isso, onde for possível, há referências sobre cada tipo de ruído a um circuito prático, indicando como evitá-lo. Também, onde possível, há referência a projetos do site. Também é necessário dizer que neste artigo não há nenhuma consideração a fontes de ruídos que não estejam relacionados a circuitos de efeito.

Todos possuem uma intuição do que seja ruído, principalmente em circuitos de áudio, onde excesso de ruído prejudica sensivelmente a qualidade do som e o prazer da audição.

Em eletrônica, existem diversas fontes de ruído, e o projetista do circuito tem que analisar quais os possíveis tipos de ruído que determinado circuito está sujeito a fim de que possa atuar de forma a atenuá-lo. Por exemplo, nos antigos toca-discos de vinil, uma das fontes de ruído mais comuns e mais difíceis de se contornar era o rumble(ronco) causado pela vibração do motor que girava o disco. Para eliminar este ruído era necessário incluir filtros de frequências específicas no circuito do pré-amplificador. Nenhum circuito do site irá se preocupar com esta fonte de ruído, pois o sinal analógico para a entrada dos circuitos não provém de cápsulas de toca-discos, mas sim de captadores de guitarra.

A revolução digital das últimas décadas trouxe enormes avanços em relação a atenuação do nível de ruído em equipamentos de áudio. Um dispositivo analógico raramente consegue a mesma performance em níveis de ruído que um equipamento digital. O motivo de continuarmos a utilizar circuitos analógicos está relacionado a qualidade do som obtido. O motivo desta qualidade ser superior em circuitos analógicos é subjetiva, e muito discutível, e tratarei deste assunto em outro artigo.

O ruído eletrônico é particularmente preocupante em circuitos de pedais ligados em cascata, como, por exemplo, um distorcedor em série com um overdrive. Estes circuitos possuem ganho muito elevado, o que faz com que qualquer ruído presente na entrada do primeiro pedal seja amplificado diversas vezes até chegar a saída do último pedal. Portanto, para cada circuito fabricado temos que tomar todas as precauções em relação à eliminação de ruídos para que, quando os pedais forem colocados em série, o ruído resultante seja pelo menos aceitável.

A seguir estão listados os principais tipos de ruído e algumas maneiras de evitá-los ou pelo menos atenuá-los.

Ruído Térmico (Thermal Noise)

Este ruído é gerado por qualquer resistor. Isto é, todo resistor que compõe um determinado circuito eletrônico coopera no aumento do ruído térmico.

A primeira característica a se notar neste ruído é que ele aumenta com o aumento do valor do resistor. Este aumento do ruído é aproximadamente logarítmico com o aumento do valor da resistência, para uma determinada faixa de frequência. Portanto, aí vai a primeira dica para construtores de pedais: manter o valor das resistências o mais baixo possível. Este é um dos primeiros pontos que um projetista precisa se preocupar. Se os valores dos resistores do circuito forem muito baixos, o consumo do circuito aumenta. Se forem muito altos, o nível de ruído térmico do circuito aumenta. Quando aumentamos a faixa de frequência de operação de um circuito, isto é, a banda passante, aumentamos também o nível de ruído térmico. A análise deste fenômeno é bem simples: o ruído térmico é ‘ruído branco’, o que significa que está presente em todas as frequências do espectro com a mesma amplitude. Ao limitar a banda passante para frequências que o pedal trabalhará, por exemplo as frequências produzidas pela guitarra elétrica(num pedal para guitarra), eliminamos parte do ruído térmico. Os desenhos dos circuitos de pedais já fazem isso, e trabalham somente com frequências utilizadas pela guitarra. Esta é uma das diferenças importantes entre pedais desenhados para guitarras e contrabaixos.

Além do ruído térmico, os resistores apresentam um componente a mais de ruído, conhecido como excess noise. Diferentemente do ruído térmico o valor deste tipo de ruído não está relacionado com o valor da resistência, mas sim com o valor da tensão CC presente nos terminais do resistor. Também não é ‘ruído branco’: possui resposta do tipo 1/f, o que significa que o ruído é maior para frequências mais baixas.

Uma das características do excess noise em resistores que é que resistores de filme metálico produzem uma quantidade de ruído significativamente menor que resistores de filme de carbono. Para os construtores que gostam de desafios e modificações, experimentem substituir os resistores de uma montagem de pedais por resistores de filme metálico. Vale a pena lembrar que estes resistores custam entre 5 a 10 vezes mais que os resistores de filme de carbono.

Ruído Shot (Shot Noise)

A corrente em um condutor não flui de maneira contínua. É formada por elétrons, que são partículas carregadas que se movem de acordo com a diferença de potencial aplicado no condutor que estão.

Apenas por curiosidade, vale lembrar que o sentido real do movimento dos elétrons é sair do polo negativo da bateria, percorrer o circuito e ir para o polo positivo. Porém, em análise de circuitos, convencionou-se o contrário, e analisamos o circuito como se o fluxo de corrente saísse do positivo e percorresse o circuito até o polo negativo. Isto é, analisamos o circuito a partir do movimento das lacunas ao invés dos elétrons.

Voltando ao ruído shot: o movimento dos elétrons varia randomicamente. Quando um elétron encontra uma barreira, sua energia potencial aumenta até que tenha energia suficiente para cruzá-la. A energia potencial é então abruptamente convertida em energia cinética. Este fenômeno é a causa do ruído shot. É claro que um único elétron não é capaz de produzir um ruído audível. O ruído é produzido pelo efeito somado de todos os elétrons no condutor.

O ruído shot está presente em qualquer condutor, como, por exemplo, um fio de cobre, onde a barreira para a passagem do elétron pode ser causada por imperfeições no metal. Porém num fio de cobre o efeito do ruído shot é muito pequeno, dado o volume de elétrons que se movem pelo semicondutor e o tamanho relativo das barreiras nesses condutores. O efeito do ruído shot é muito mais acentuado em semicondutores, e é a principal forma de ruído em transistores e amplificadores operacionais em frequências médias e altas.

Assim como o ruído térmico, o ruído shot é constante em todo o espectro de frequência.

O ruído shot é independente da temperatura.

O ruído shot está associado ao fluxo de corrente. Quando o fluxo de corrente cessa, o ruído também cessa.

Ruído 1/f (1/f Noise ou Flicker Noise)

Este ruído, diferentemente do ruído térmico e do ruído shot, não possui amplitude constante em todo o espectro, mas aumenta em frequências baixas. A causa do ruído 1/f é a imperfeição em materiais e de fabricação de componentes, portanto uma boa saída para tentar evitá-lo é utilizar componentes de boa qualidade.

Alguns autores tratam o ruído excess noise(ver referência no item Ruído Térmico) como ruído 1/f, outros não. Porém, como foi mencionado no item Ruído Térmico, os resistores também possuem ruído com as características do ruído 1/f além do ruído térmico.

Ruído Popcorn (Popcorn Noise ou Burst Noise)

Este ruído aparece no alto-falante como pequenos ‘cliques’, o que faz com que lembre o som de pipoca estourando, daí o seu nome. Este ruído ocorre devido a flutuações no nível de corrente contínua em algum componente. A verdadeira causa do ruído é desconhecida, porém alguns fabricantes afirmam que é reduzido quando reduz-se as imperfeições no material de fabricação dos componentes.

Este tipo de ruído era bastante comum em equipamentos de áudio transistorizados antigos. Hoje raramente algum equipamento produz este tipo de ruído e, raramente pedal, por mais mal construído que fosse, produz este tipo de ruído.

Ruído Avalanche (Avalanche Noise)

É um ruído semelhante ao ruído shot, mas de intensidade maior. É causado quando uma junção de semicondutores PN está operando polarizada de forma reversa, como, por exemplo, um diodo zener operando na região de avalanche.

Hoje em dia não há necessidade de construção de fontes de alimentação utilizando diodos zener, devido principalmente a utilização de reguladores integrados, do tipo 78XX e 79XX. Porém, ainda há ocasiões onde o zener é necessário, e cuidados devem ser tomados para minimizar os possíveis problemas com ele.

Ruído de comutação de chaves

Como expliquei no artigo Chaveamento do Sinal de Áudio, a utilização de chaves mecânicas para chavear sinais de áudio é um péssimo exemplo de projeto. A única vantagem desta utilização é a redução mínima no custo total do pedal de efeito, porém com a enorme desvantagem de induzir ruídos ao sinal original. Devido a pequena amplitude do sinal de áudio dos pedais, os ruídos produzidos pelo chaveamento de áudio por chaves mecânicas pode até mesmo serem superiores ao sinal da própria guitarra. Para quem montou algum pedal com chaveamento mecânico, informo que não existe nenhuma forma de eliminar este ruído, já que é inerente ao funcionamento da chave mecânica. Portanto, opte sempre por projetos que utilizam chaveamento eletrônico do sinal de áudio, como os circuitos da seção Projetos do site. No caso de chaveamento eletrônico, nenhum ruído produzido pelo acionamento da chave mecânica aparece no sinal de áudio.

Ruído em potenciômetros e outros componentes

O ruído em potenciômetros pode ser causado por sujeira na pista de carbono, que pode ser eliminado utilizando-se um spray limpa contatos, ou devido ao final da vida útil do potenciômetro, de aproximadamente 10.000 ciclos, dependendo da marca e modelo – alguns potenciômetros têm vida útil de 100.000, 500.000 e até 1.000.000 de ciclos. Neste segundo caso, somente a substituição do potenciômetro resolve o problema.

Outros componentes mecânicos, como jacks, também podem apresentar as mesmas causas de ruídos que os potenciômetros. A solução é a mesma: spray limpa contatos, no caso de sujeira, ou substituição do componente no caso de componentes gastos.

Portanto, antes de adquirir estes componentes, é necessário avaliar qual a qualidade que você deseja no circuito final. Um potenciômetro de qualidade pode custar mais de 10 vezes um potenciômetro mais simples. Decidir se esta diferença no valor compensa é uma análise muito subjetiva, e cada construtor poderá avaliar se o investimento será compensador ou não.

Zumbido

O zumbido é decorrente de fontes de alimentação mal planejadas ou mal construídas. A energia elétrica presente nas tomadas é corrente alternada, de 50 ou 60 Hz. Ambas frequências fazem parte do espectro audível e, se não utilizarmos nenhum filtro para eliminação desta flutuação, este zumbido de baixa frequência entrará no circuito de áudio através da fonte de alimentação.

O zumbido era muito comum em antigos rádios valvulados, onde o filtro da fonte de alimentação das válvulas era somente um capacitor eletrolítico. Há vários anos existe no mercado circuitos integrados reguladores de tensão lineares, como os 78XX, para tensões positivas, e os 79XX, para tensões negativas. Uma fonte de alimentação bem planejada, utilizando um destes integrados, é mais que o suficiente para a eliminação de zumbido audível em alimentação de pedais de efeito.

Captação de sinal de rádio

Um fenômeno muito comum quando estamos montando e testando protótipos de circuitos de áudio, é a detecção de rádios AM, através do fenômeno de retificação de áudio.

Este fenômeno ocorre geralmente no primeiro transistor de um circuito que, atuando como um diodo detector, transforma o sinal de RF em um sinal de áudio, que é amplificado por outros transistores do circuito, até chegarem ao alto-falante.

Existem várias recomendações relacionadas ao desenho do circuito e, mais especificamente, ao desenho da placa de circuito impresso, que devem ser seguidas para eliminar o problema. Todos os circuitos da seção Projetos do site implementam estas recomendações.

Durante a fase de soldagem do circuito, existem duas recomendações básicas que devem ser seguidas. Primeiramente, ao soldar, deve-se manter os terminais dos componentes o mais curtos possível. Em segundo lugar, deve-se ter cuidado redobrado com as soldas, pois soldas mal feitas podem ser fontes deste tipo de problema. Recomendações adicionais são a utilização de fios e cabos os mais curtos possíveis e utilização de cabo blindado. A presença de loops de terra também pode criar ou piorar problemas de retificação de áudio.

Conclusão

Deve-se ter em mente que a eliminação total de ruídos em um circuito de áudio é virtualmente impossível. Circuitos de pedais de efeito são particularmente suscetíveis a ruídos devido ao fato de possuírem um ganho muito elevado. A solução utilizada por grande parte dos guitarristas é a utilização de um pedal Noise Gate após o último pedal da pedaleira. Este pedal ‘desliga’ o sinal da guitarra quando não está sendo tocada, ou melhor, desliga o sinal de entrada quando há somente ruído.

Em relação aos projetos do site, todos os cuidados na elaboração das placas de circuito impresso foram tomados para manter o nível de ruído o mais baixo possível. Também os circuitos contém componentes especialmente incluídos a fim de reduzir o nível de ruído, como os capacitores de bypass e as dicas da montagem na Apostila de Montagem, entre outros.

Bibliografia

Maiores informações sobre ruídos podem ser conseguidas através destes textos.

-CARTER, BRUCE,  Op Amps for Everyone, capítulo 10, Op Amp Noise Theory and Applications

-BOHN, DENNIS, Audio Handbook National, seção 2.0, Preamplifiers